24/07/10



Experiência de animação em Blender.

16/03/10

Felipe/Naruto


01/03/10

O Fantasma de Canterville

Ilustrações baseadas no conto de Oscar Wilde










21/01/10

O Homem sem Sombra

http://docs.google.com/fileview?id=0B8RzhGjyD9TZNjNjZTFjOWEtZTA1ZS00NzQ0LTljZmUtYTgxY2MyNWE4YTBi&hl=pt_PT
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O Homem sem Sombra

Tentando não interromper a ligação entre pensamentos, acomodou o pequeno caderno de capa negra debaixo do braço esquerdo e enfrentou o caminho de volta ao apartamento vazio que nem a ele esperava.
Deixou-se arrastar pelos seus pés já cansados, quase não se dando conta do que fazia, o que o levou a esbarrar contra uma mulher que passava. Não se tratara apenas de um encontrão de ombros, ele fora realmente contra ela, e, no entanto, a mulher não o olhava nos olhos. Agarrava a cabeça como se isso a refizesse do choque e olhava em volta desconcertada.
- Desculpe – murmurou atabalhoadamente.
A mulher não lhe respondeu. Continuava a olhar em volta, desta vez algo encolhida, e ele reparou num matiz avermelhado nas suas orelhas. Por fim, ajeitou a mala no ombro com uma nova energia, abanou a cabeça, como quem enxota um insecto particularmente enervante e continuou caminho, obrigando-o a desviar-se para que não embatessem de novo. Por um momento ficou a ver, atónito, a figura da mulher enquanto esta se afastava. Poderia ser cega? E se fosse esse o caso, porque olhara em volta? O mais provável era que fosse apenas descortês.
Continuou o seu caminho, ainda com a estranha mulher no pensamento. Certamente fora um mero acidente. A questão que se punha constituía em quem estava a loucura, na mulher que se recusava a vê-lo ou nele próprio? Já não confiava na sua mente o suficiente para responder com segurança. Começou então a reparar nas pessoas que por ele passavam, nessas criaturas que se esforçava, desde que se recordava, por ignorar, pela desesperante semelhança que tinham com ele próprio, recordando-lhe a insignificância de tudo o que era significante. Uma e outra vez, encontrava apenas a ausência de um olhar, de um qualquer sinal de reconhecimento, de empatia ou mesmo de um qualquer reflexo que pudesse indicar que ele estava ali, que, de facto, existia e era real. A sua capacidade de pensar claramente diminua ao mesmo tempo que o seu ritmo cardíaco aumentava. Atingira-o um pressentimento absurdo que se esforçou por afastar rapidamente, mas os pressentimentos raramente se deixam afastar, existem como vestígio de uma anterior percepção. Precisava de algum tipo de prova que pudesse mostrar a si mesmo a insensatez de tal pressentimento. Achando já que nada tinha a perder, fixou a sua atenção num transeunte alheado que passava à sua direita. O homem caminhava de olhos vidrados e mãos nos bolsos, provavelmente tão acostumado a percorrer aquele mesmo caminho que já o fazia de forma automática. Se pensava algo de extrema profundidade ou deixava-se perder em pequenas inutilidades, era difícil adivinhar. Talvez não pensasse de todo. Sempre se questionara se esse estado era possível no ser humano.
Subitamente consciente de cada movimento do seu corpo nervoso deu três passos de corrida e esticou o braço para tocar no ombro do pequeno homem. Foi com uma onda de entusiasmo que o viu parar e olhar para o lado, directamente na direcção de um ponto no seu pescoço que lhe ficava à altura dos olhos vidrados, entusiasmo que se desvaneceu quando o homem seguiu em frente... Como se não o tivesse visto. Essa era, de facto, a expressão correcta. As pessoas não o viam, ainda que ele fosse capaz de as ver. Soltou uma insonora gargalhada nervosa. Toda aquela situação era ridícula, ele estava a ser ridículo. Já não era sequer capaz de entender o comportamento dos outros, provavelmente não o observara com suficiente objectividade. Isto oferecia-lhe uma momentânea sensação de felicidade, apesar de tudo, pois punha-lhe também em mãos um desafio para os seguintes dias, o de tentar compreender este novo fenómeno de distanciação que, por não poder pertencer aos outros, pertencia, inevitavelmente, a si mesmo.
O céu escurecia rapidamente numa mistura de tons de vermelho mas, distraído a olhar para a calçada, não se deu conta senão ao chegar á porta principal do seu edifício. Hesitou, já com a chave estendida na mão direita, e olhou para cima. Nem devagar nem depressa percorreu o céu com o olhar, em busca de algo que já nem ele sabia reconhecer, algo que se relacionasse de alguma forma com a beleza simples e inquestionável de um pôr-do-sol de Outono. Nada. Já sabia que assim seria, não sabia, no entanto, o porquê de continuar a procurar impressões que lhe eram estranhas.
O homem a quem não viam atirou-se para o sofá e olhou para o ecrã negro do televisor. Alguém verdadeiramente insensível seria capaz de questionar a sua sensibilidade? Levantou a mão direita e admirou-a. Fora aquele em que se tornara? Aquele era quem tinha sonhado ser? As linhas na palma da sua mão não chegavam nunca a tocar umas nas outras. Alguma vez havia possuído a capacidade de sonhar de forma ingénua, sem se preocupar com as implicações efectivas dessa acção? Provavelmente sim, mas já não se recordava, pelo que não podia igualmente recordar como fazê-lo.
Os seus dedos acariciaram a lombada de um livro pousado a seu lado. Desde que aceitara a leitura como trabalho, deixara de achá-la tão relaxante como antes. Ao invés de um refúgio para o trabalho tornara-se no próprio trabalho. Agora havia poucos livros que realmente o confortassem, chegando a calcorrear livrarias durante horas na procura de um autor sem nome que pudesse ainda esconder-se nas prateleiras. Era, contudo, rara a ocasião em que abandonasse uma livraria de mãos vazias. Isto era apenas uma banalidade, no entanto. Ouvira já outros queixarem-se do mesmo problema. Não tinha importância.
Sentia-se exausto, ainda que pouco tivesse feito todo o dia, mas não foi capaz de adormecer. Então pensou. As horas arrastavam-se, sabia-o pois conseguia ouvir o som tortuoso dos ponteiros do relógio de pulso pousado a seu lado. Estava demasiado cansado até para pensar, apercebeu-se, então deixou de controlar o fio de pensamentos e deixou-os seguir para onde bem lhes aprouvesse. Surgiu-lhe um rosto, mas não sabia identificá-lo.
«Quem?» A questão ressoou nas paredes vazias. Apercebeu-se de súbito que aquela era a segunda palavra que dizia em todo o dia. Talvez por isso tivesse sentido necessidade de a proferir em vez de a pensar apenas.
«Quem?», voltou a perguntar. O som da sua própria voz soou-lhe agradável, era um som humano, limpo, racional. Tinha saudades desse som, do som que fazem as pessoas quando falam não apenas para falar, para fazer ruídos comunicativos, mas para dizerem algo que tem de ser dito. Em toda a vida tinha conhecido poucas pessoas que produzissem esse tipo de som. Ninguém lhe tinha respondido, no entanto. O rosto tinha já desaparecido da sua mente. Teria sido um homem, uma mulher? Quem? Era raro pensar em quem quer que fosse, ninguém fazia parte da sua vida.
Os seus olhos abriram-se subitamente para a escuridão do quarto. Ninguém fazia parte da sua vida. Poderia ser verdade, mesmo para alguém como ele, estar vivo e não ter uma única pessoa que o soubesse? O seu peito doeu-lhe pela primeira vez nos últimos anos. Ele não estava só, afinal, ele existia só. Como poderia então saber se existia de facto? A única criatura que acreditava nisso era ele próprio. Que provas tinha de que a sua mente era real se nem sequer sabia se o seu corpo o era?
«Penso logo existo», citou para si mesmo com insegurança. Neste momento apercebeu-se vagamente de que estava a começar a adormecer, por isso os seus pensamentos tornavam-se menos lúcidos e faziam-lhe menos sentido. Aconchegou-se na almofada e sorriu levemente. Estava ali, pensava, portanto era certo que existia. Ou não?
¬
*

Um pé atrás do outro e com a cabeça no chão, o homem a quem não viam fazia o caminho de regresso ao seu pequeno apartamento. Não sabia por onde caminhava nem com quem se cruzava porque tudo na sua mente era uma névoa cinzenta e densa.
Por um momento o seu joelho quebrou-se e perdeu o equilíbrio, deixando-se cair na calçada molhada. Deixando as mãos despidas tocarem o chão, despertou o suficiente para olhar em volta lentamente, para se deparar com uma cidade escura e infeliz, conquistada pelas chuvas violentas de Inverno. Os olhos doeram-lhe a olhar para os céus, naquele momento tão injustamente semelhantes aos seus pensamentos, negros e enevoados por forças grandes demais para combater. O homem quis enrolar-se ali, naquele local da fria calçada e não mais acordar. Ele tinha ainda consciência de que esse pensamento era infantil e embaraçoso. Mas o que importava isso? Não havia ninguém que pudesse dizer-lho ou rir-se da sua infeliz figura caída no chão imundo, despojada de dignidade humana, ninguém que levantasse o seu corpo gélido e encharcado, e lhe oferecesse um casaco para tapar os braços descobertos ou uns sapatos para os seus pés descalços. Na verdade, não havia ninguém.
O homem arfou várias vezes, sentindo que o coração lhe falhava, de tão apertado estava, como se fosse grande demais para o seu peito descarnado. Como é que se chorava? E porque não conseguia ele fazê-lo?
Uma sombra foi-se aproximando lentamente. A primeira coisa que pôde ouvir foram os seus passos na escuridão, lentos mas seguros. Quem se passearia nas ruas àquelas horas da madrugada e com a chuva que caía? Isto é, quem para além dele mesmo? A sombra aproximou-se e passou por ele, não deixando nunca de ser isso mesmo, uma sombra. A sua postura era curvada e insegura, cravada de um peso evidente, os seus olhos mortiços não tinham brilho, ocultados pela aba larga do chapéu, e não levava consigo nenhum guarda-chuva, deixando-se invadir livremente pelas rápidas e grossas gotas de chuva. O homem a quem não viam agarrou-se desesperadamente às calças do indivíduo que por ele passava, não conseguindo conter-se, nem havendo mais razões para tal.
- Olha para mim! – Gritou com uma voz rouca e desusada. – Por favor, não continues! Vê-me, ouve-me! Eu estou aqui…
A sombra continuou o seu caminho ignorando por completo o homem prostrado no chão que soltava pequenos gemidos, quase semelhantes a leves prantos. – Por favor... Não continue, não por aí…
Apoiando algum do seu peso ao poste de um candeeiro de rua apagado, o homem a quem não viam ergueu-se custosamente. Este simples acto físico pareceu fazer surtir nele um efeito estimulante, e, pouco a pouco, foi-se recompondo como ser humano, erguendo-se até uma posição erecta conveniente. Os seus joelhos quebraram-se ainda uma vez mais em tom de ameaça, mas ele voltou a erguer-se. Tinha de continuar, que mais poderia fazer se não continuar?
Uma vez mais, colocando um pé atrás do outro, e concentrado na mecânica deste movimento, o homem que nunca tinha querido sê-lo continuou o seu caminho até chegar ao topo de uma falésia de areia dourada. Demorou-se a olhar para as várias construções em seu redor e por breves instantes ocupou-se com divagações sobre a incapacidade da espécie humana em deixar a natureza manter-se natural e a beleza ser aquilo que não se consegue descrever em palavras, divagações estas que afastou quase imediatamente. Naquele momento presente os seus próprios problemas pareciam ser maiores do que os do mundo e, no entanto, nunca se sentira tão pequeno e inútil. Junto à falésia, ao nível do chão, estava um pequeno estabelecimento fechado, de aspecto precário mas acolhedor. O nome estava meio apagado na placa que balançava ao ritmo das vagas marítimas próximas mas ele sabia-o bem demais. Relanceando o cais vazio e abandonado, assomado pelas chuvas e pela maré alta, o homem a que não viam olhou para o seu corpo de mulher, aquele que negara toda a sua vida, pronunciou um adeus inaudível e fechou os olhos. O negrume e o silêncio ele conhecia, no silêncio e no negrume se sentia completo e igual a si mesmo. Não precisava de palavras, nem de pessoas, nem da sua sociedade. Não precisava de nada, nem sequer de estar vivo.


(um retrato auto-biográfico de ficção)
Rebeca Neves

19/01/10

Odeio chuva

Odeio chuva. Odeio o frio que acompanha a chuva e o nevoeiro esbranquiçado das nuvens sobre a terra. Odeio sentir as grossas gotas de chuva no pescoço descoberto e o cabelo encharcado sobre a testa. Odeio sentar-me em casa, no parapeito das janelas e ver a chuva cair violentamente, cada vez mais depressa, como se troçasse de mim. Odeio o som da chuva nas lajes e o som de um guarda-chuva a abrir.
Em minha casa não chove, ou pelo menos não chove como longe dela. Talvez por isso não goste de chuva. O mesmo livro que um dia me fez rir, num dia cinzento me parece deprimente, a mesma paisagem que me fazia sorrir, atira-me o espírito até às profundezas da minha auto-comiseração.
De manhã levantei-me, arrastando tudo o que em mim ainda dormia, recusando-se a despertar e vesti-me a custo, como quem ficou num lugar onde o corpo não alcança. Camisola sobre camisola, cachecol e casaco e todos os preparativos para um dia de chuva. As botas ainda frias da chuva de ontem arrepiaram-me cada osso desperto.
E por fim, o chapéu-de-chuva.
Abri a porta, abri o chapéu. E após um suspiro, saí.
E então lembrei-me. Lembrei-me de um dia ter saltado em poças de água fria com a felicidade da liberdade garantida, desfrutando sofregamente do cheiro a terra fresca, de me sentar nos parapeitos e desejar sair para a chuva, de voltar para casa com água a pingar-me das roupas grandes demais para o meu corpo escanzelado, com um sorriso nos lábios e nos olhos. Lembrei-me de casa.
Fechei o chapéu-de-chuva. O dia era meu.
Estava encharcada dos pés à cabeça e o frio era insuportável. Mas sorria.

Regresso do Soldado

Era mais um dia cinzento. Mais um dia em que a neblina cobria de resguardos a precária cidade. Ela desenhava com os olhos a forma dos seus cinco dedos esticados contra o vidro da janela, como quem mais nada tem que fazer do que esperar. A sua expressão era vaga, quase feliz, não fosse a tristeza que conseguia espreitar-lhe pelos olhos.
A porta abriu-se de rompante e houve um momento de pausa que pareceu durar toda uma eternidade. O homem segurava a porta e o seu peito subia e descia ao compasso acelerado da sua respiração. Tinha corrido até ali como se disso dependesse a sua vida e aberto aquela porta com toda a sua determinação mas agora, deparando-se com a rapariga recortada contra o branco da janela, não sabia como agir. Ela não disse uma palavra. Virou-se muito lentamente na sua direcção e olhou-o directamente nos olhos. Esse movimento deixou-o mais infeliz do que julgaria possível. A rapariga já não era uma rapariga mas uma mulher, a sua face de criança ingenuamente feliz transformada na face cansada de alguém que se fartara de esperar pelo começo da sua vida.
O soldado chamou a sua jovem esposa pelo nome, num tom de escusado perdão. Ela não respondeu mas os seus lábios finos abriram-se num sorriso que ele nunca lhe havia conhecido. Era um sorriso simultaneamente triste mas de uma beleza tão grande que alegrava quem o pudesse ver. Fez sinal para que se sentassem e ele obedeceu sem hesitar. Só nesse instante se apercebeu de que ainda levava no corpo as vestes de serviço, ou melhor, as vestes de serviço cerimoniais. As restantes haviam ficado no campo de batalha para não voltarem a ser usadas.
O soldado sabia que era escusado perguntar à mulher que lhe sorria como havia passado. Ele percorrera terras desconhecidas, ela tinha esperado, ele combatera inimigos sem face nem nome, ela esperara, ele conhecera as maiores fraquezas e qualidades da natureza humana, ela esperara.
Encontravam-se naquilo que tinha sido e voltava a ser o seu escritório, o local onde passara mais horas naquela casa, com os seus sonhos de conquista e planos de domínio. Podia ver o mapa mundo esticado numa parede à sua frente. Agora sabia que o mundo era mais do que uma representação linear e que as noções de espaço e dimensão estavam também na sua mente.
- Quanto tempo foi? – A pergunta foi tão pequena e inocente que mal se fez ouvir.
O homem olhou a mulher à sua frente, em vestes que a cobriam completamente, não conseguindo, no entanto, esconder a beleza das suas formas femininas. Ela voltou a sorrir e ele reconheceu a criança ingénua que deixara à quatro anos atrás.
- Muito - Ela acenou com a cabeça que tinha compreendido.
- Posso retirar-me?
Ele olhou-a de alto a baixo, com alguma tristeza dissimulada mas reconheceu que não lho podia negar. Quando a porta se fechou atrás dela, o soldado colocou as mãos atrás das costas e admirou languidamente a vista familiar da janela. E para quê?

Pessoa na esplanada

A primeira coisa que exalava da diminuta figura era uma fina linha de fumo ondulante. À medida que ia rodeando sobre si mesma, a sua pequena e magra mão segurava com familiaridade um cigarro aceso.
A mulher falava. Não soube nunca porque falava, sobre que assunto, nem com quem falava. Falava apenas, apertando contra a face côncava um magríssimo aparelho de telemóvel. Desde o movimento dos lábios enquanto conversava com um alguém invisível do outro lado da linha ao persistente tornear dos pulsos para cima e para baixo, havia uma rapidez natural a ela apegada que escapava para o exterior sem remorso ou perdão.
Bebericava um café, simples e preto, e nada mais. Essa escolha poderia pronunciar um número de características em relação à sua personalidade. E daí, poderia apenas faltar-lhe a fome e sobrar-lhe o sono.
Os objectos que por ela se exibiam eram muitos e variados, pendendo como diminutas medalhas do seu corpo limpo e aprumado. Chegava a ser tentador questionar quanto tempo levaria a pequena e reluzente mulher no ritual de se condecorar com tantos reconhecimentos até poder considerar sair de sua casa pela manhã. Quanto tempo levaria a construir todo aquele cenário que se podia contemplar naquela esplanada? Brincos que pendiam elegantemente dos lóbulos, um fino colar que enfeitava o pescoço nu e pesadas pulseiras para abrilhantar os pulsos, tudo isto ia balanceando a um ritmo pessoal.
O telemóvel continuava a conversar e a mulher a ele agarrada continuava a responder-lhe, o cigarro preso nos seus dedos ia sendo consumido pelas cinzas.
As faces maquilhadas coraram ligeiramente e a pequena mulher conseguiu encolher-se ainda mais na cadeira enquanto dos seus vívidos lábios pintados se soltava um riso pequenino, inesperadamente insonoro e discreto para uma criatura de imagem tão estridente.
De um trago engoliu o café que tinha estado a ignorar enquanto não se despegava do aparelho que parecia trazer agarrado ao ouvido. Que idade teria? Era difícil determinar, não deixando de ser jovem começara já o penoso processo de envelhecimento.
- Tenho de ir… - A frase, apesar de escutada em surdina, manteve-se no ar por mais uns segundos até se fazer ouvir o som da tampa do telemóvel ser fechada. O cigarro estava quase reduzido a nada quando a mulher o apagou vigorosamente no cinzeiro transparente e se levantou.

04/01/10


Um longo caminho para trás, ainda outro para percorrer.

16/12/09

Carhartt 1.0






01/12/09

Charhartt 0.1


12/11/09

A Rapariga Vodu


É feita de retalhos,
tem pele de algodão
e muitos alfinetes coloridos
saídos do coração.
Tem um magnífico par
de olhos em espiral
por si utilizados
para hipnotizar namorados.
Tem muitos zombies diferentes
de que nunca se cansa.
Até tem um zombie
oriundo de França.
Mas sabe que não pode vencer
a sua terrível maldição,
pois se alguém se aproxima dela
perfura-lhe o coração.
*
Tim Burton

28/08/09

Odeio

Há poucas coisas que odeio na vida,
Não odeio homens, lugares ou situações.
Mas odeio ideias que se assumem verdades.
Odeio a descriminação genética,
Odeio que sejamos separados de nascença pelos cromossomas com que a eventualidade nos tocou.
Odeio as igrejas, as religiões, as entidades que nos julgam.
Odeio que ditem como devo ser e como devo agir por me ter calhado o género feminino,
Não o escolhi.
Odeio que os géneros se separem para se unirem na diferença.
Odeio ter útero.
Odeio ter a função genética procriadora.
Odeio crianças, humanos em vias de desenvolvimento,
E odeio a repulsa que me causam pelo que representam na imagem do género feminino.
Odeio os preconceitos e as obrigações tradicionais.
Odeio ver como os demais não odeiam a sua condição genética, como a aceitam.
Odeio que sejam felizes na diferença tornando impossível o meu sonho de igualdade.
Odeio o feminismo,­
Odeio o machismo,
Odeio a diferenciação.
Mas principalmente odeio ter nascido no lado errado da divisão.

18/08/09

Vício, apenas

03/08/09


Até a Natureza é capaz de errar.

Existem dias em que a loucura é inata e nos sentimos tão inexoravelmente loucos que bizarra é a ideia de conseguirmos não o ser.
A sociedade e, sobretudo, a vida dentro da mesma torna-se uma prisão da qual é demasiado fácil fugir. As grilhetas são tão fáceis de quebrar num único e impetuoso grito de loucura. A única coisa que é um requerimento em absoluto obrigatório é a vontade de as quebrar, de ser, de facto e inegavelmente, louco.
E essa vontade vive, respira dentro do organismo humano, desse mecanismo de sentir e pensar, simultaneamente tão perfeito e tão defeituoso.
Será a loucura um dos muitos defeitos que fazem o homem, ou, pelo contrário, uma das características que completam a sua perfeição?

É tão fácil fugir, contudo. É até natural, não exige grande capacidade de raciocínio. Talvez por isso a sensação que deixa àquele que pratica a acção de fugir, seja a de cobardia.
Mas quando a escolha é entre a fuga e o ódio, o que deve ser escolhido? Será a raiva descarregada sobre os que a fumentam justificada como um acto de corajosa libertação da dor, ou trata-se apenas de outro modo de fuga?
Tantos dos nossos pensamentos encontram formas dissimuladas de se manifestar, numa tentativa de se tornarem menos pesados.

Quero fugir e deixar de ser, deixar de pensar e de sentir, deixar de ser um mecanismo humano funcional para me tornar qualquer outra coisa.
Porque os meus mecanismos de defesa não funcionam, porque não sei respirar sem dor, porque enveredei pelo tentador caminho da loucura.


sexta feira, 24/07/09

02/07/09

Algo diferente


01/07/09

Lobos - Compilação

A inspiração vem do que nos inspira.

30/06/09

2D Vector Character


11/06/09

Pessoas





07/06/09

Pessoas



Primeira peça da colecção "Pessoas".

03/06/09

"Temem a loucura aqueles que, loucos, julgam não o ser"

RrNn

31/05/09

Um dia mau


30/05/09

Em busca de uma identidade


Deixo alguns exemplos de alternativas de cartões pessoais. O logotipo que eventualmente escolhi é o que inicia o blog.

21/04/09

Sociologia

Hoje subi ao topo da minha cidade e sentei-me sobre ele. Percorri os céus, vagueei no negrume pessoal do silêncio interior, mas não olhei para baixo.
Não me tentei com um relance rápido nem me delonguei com especulações do que pudesse encontrar abaixo do meu pedestal de pedra lascada.
Deixei a minha consciência esquecer-se, mesmo que apenas por instantes, de presenças que fisicamente me rodeavam e concentrar-se na egoísta escassez existencial.
Roubei, com o máximo de humildade que é permitido ao acto de roubar, a posição física dos antigos e roguei ao meu corpo exposto que guiasse os pensamentos que se soltavam, aleatórios.
O que aprendi com a experiência?
Francamente, pouco.
O que levei para a recordar? Dores latentes na cabeça e nas costas e uma desanimada sensação de perda por não ter aberto os olhos e visto o que havia abaixo de mim.

20/04/09

Calendário 2009


Janeiro

Fevereiro

Março


Abril

Maio


Junho


Julho

Agosto


Setembro


Outubro

Novembro


Dezembro



Obrigado


Relembrando a Banda Desenhada


21/02/09

Animando projectos

20/02/09

Mascote 3D


05/02/09

Porque somos?


31/01/09

Ciclo de corrida

Homens entre homens

É uma comunhão interessante aquela que, rápida, quase instantaneamente, se forma entre um rapaz, frequentemente sob a condição de homem, e o esférico brinquedo de borracha que é a bola.
Por acção directa e indirecta de tal simples objecto ou entidade, o homem torna-se grupo, deixa de existir individualmente. Mesmo que cada personalidade, por sua vez inserida em estatutos, culturas e gostos, seja sua unicamente, não tem força suficiente. A mentalidade de grupo é imperativa, não no âmbito de grupo mas tão simplesmente no contacto directo com o objecto físico, a bola de borracha.
E o homem corre. Corre apenas por saber fazê-lo, é o seu instinto. A mente rende-se à energia pura do esforço do corpo. Energia forma então energia, num ciclo que não se pode nem se quer quebrar.
Somos, portanto, homens porque corremos. Talvez o sejamos.
Quem pode ousar concordar ou discordar com tal teoria se não há ou houve alguma vez alguém que, de humanidade condicionado, fosse capaz de verdadeira clarividência e percepção.
Limito-me então a correr. Corro porque e como posso mas corro. Por agora não preciso de mais nada.

17/10/08

Inspiração


Se a inspiração vem de mãos dadas com a dor emocional, a felicidade transforma-se inimiga da criação.
Quantos escolhem a inspiração? E quantos o fazem conscientemente?
A imagem da velha ponte de pedra manchada que vim a chamar de minha pelas muitas palavras que me ofereceu e lhas devolvi começa a esbater-se no abandono. O escritor cuja mente se desgasta deixa de o ser, a pedra adornada de musgo antigo torna-se apenas matéria.
O que significa então a inspiração? Para ser eu terei de ser só? A minha mente está decidida, fiz a minha escolha.

_

Divagações soltas

Paz

A natureza humana é inquisitiva para com aqueles que lhe parecem diferentes de alguma forma. Existe, claro, e indubitavelmente, uma série diversificada de respostas a este fenómeno que vão da admiração ao desprezo.
Estar na cidade de que se fez casa, observar a lenta e imperturbável subida das águas, a isso tenho de chamar de paz.
Pode soltar-se a fúria de todas as religiões sobre mim, não me demoverei.
Estou em paz.
Podem abrir-se todas as janelas que rodeiam o meu rio e todos os olhos acusatórios se postarem sobre mim.
Não me demoverei, estou em paz.
Não tenho sexo nem género, não tenho sensações ou sentimentos, não tenho humanidade.
Estou em paz.
Não me movem os olhares,
Amo a sensação de liberdade das grilhetas sociais.
Amo apenas as coisas que não amam,
Odeio os homens mas não posso odiar-me a mim.
Porque não amo.

16/08/08



Vícios

Preciso de vícios como de água quando os não tenho e quando não me controlam.
É frágil a linha entre o total controlo da mente e a liberdade viciosa do corpo.
Porque preciso de vícios? E daí, porquê apenas quando deles me rodeio? Em qualquer outra altura são invisíveis em presença, mas quando surgem tornam-se ensurdecedores.

24/10/08



Porquê, uma última vez

Amo apenas a solidão...
Como pude tantas vezes afirmar tal coisa com a certeza de uma verdade provada derradeira?
Não passo de uma criança, na verdade. Amo uma ilusão, uma falsa ilusão... mas amo, saber isso é suficiente. Sou humana, apesar de tudo. Odeio sê-lo mas sou, e mesmo uma qualquer força viciosa não pode alterá-lo.
Mas então porquê?
Porque não me sinto humana?

23/01/09

Dragão da fortuna


Ilustração: Rebeca das Neves
Arranjo fotográfico: Filipe F. Farinha

03/09/08

Inocência perdida


Quantos podem de facto afirmar ter-se mantido imutáveis com a transição violenta de criança a adulto?
Quantos foram dotados com a capacidade de imaginar com o mesmo grau de intensidade, de manter vivas as cores de um sonho protegido pela segurança que carrega?
Quantos olham para trás e fecham os olhos às lembranças mais puras, apenas para evitar a admissão da sua absurdez?
Quantos se tornam racionais, deixam morrer aquilo que vive só porque se quer vivo?



Em memória do que perdi,
Para que não esqueça o nome que dei à minha inocência, Actius

02/09/08

Aguarelas


Rebeca Neves

Filipe Farinha