19/01/10

Pessoa na esplanada

A primeira coisa que exalava da diminuta figura era uma fina linha de fumo ondulante. À medida que ia rodeando sobre si mesma, a sua pequena e magra mão segurava com familiaridade um cigarro aceso.
A mulher falava. Não soube nunca porque falava, sobre que assunto, nem com quem falava. Falava apenas, apertando contra a face côncava um magríssimo aparelho de telemóvel. Desde o movimento dos lábios enquanto conversava com um alguém invisível do outro lado da linha ao persistente tornear dos pulsos para cima e para baixo, havia uma rapidez natural a ela apegada que escapava para o exterior sem remorso ou perdão.
Bebericava um café, simples e preto, e nada mais. Essa escolha poderia pronunciar um número de características em relação à sua personalidade. E daí, poderia apenas faltar-lhe a fome e sobrar-lhe o sono.
Os objectos que por ela se exibiam eram muitos e variados, pendendo como diminutas medalhas do seu corpo limpo e aprumado. Chegava a ser tentador questionar quanto tempo levaria a pequena e reluzente mulher no ritual de se condecorar com tantos reconhecimentos até poder considerar sair de sua casa pela manhã. Quanto tempo levaria a construir todo aquele cenário que se podia contemplar naquela esplanada? Brincos que pendiam elegantemente dos lóbulos, um fino colar que enfeitava o pescoço nu e pesadas pulseiras para abrilhantar os pulsos, tudo isto ia balanceando a um ritmo pessoal.
O telemóvel continuava a conversar e a mulher a ele agarrada continuava a responder-lhe, o cigarro preso nos seus dedos ia sendo consumido pelas cinzas.
As faces maquilhadas coraram ligeiramente e a pequena mulher conseguiu encolher-se ainda mais na cadeira enquanto dos seus vívidos lábios pintados se soltava um riso pequenino, inesperadamente insonoro e discreto para uma criatura de imagem tão estridente.
De um trago engoliu o café que tinha estado a ignorar enquanto não se despegava do aparelho que parecia trazer agarrado ao ouvido. Que idade teria? Era difícil determinar, não deixando de ser jovem começara já o penoso processo de envelhecimento.
- Tenho de ir… - A frase, apesar de escutada em surdina, manteve-se no ar por mais uns segundos até se fazer ouvir o som da tampa do telemóvel ser fechada. O cigarro estava quase reduzido a nada quando a mulher o apagou vigorosamente no cinzeiro transparente e se levantou.

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