19/01/10

Regresso do Soldado

Era mais um dia cinzento. Mais um dia em que a neblina cobria de resguardos a precária cidade. Ela desenhava com os olhos a forma dos seus cinco dedos esticados contra o vidro da janela, como quem mais nada tem que fazer do que esperar. A sua expressão era vaga, quase feliz, não fosse a tristeza que conseguia espreitar-lhe pelos olhos.
A porta abriu-se de rompante e houve um momento de pausa que pareceu durar toda uma eternidade. O homem segurava a porta e o seu peito subia e descia ao compasso acelerado da sua respiração. Tinha corrido até ali como se disso dependesse a sua vida e aberto aquela porta com toda a sua determinação mas agora, deparando-se com a rapariga recortada contra o branco da janela, não sabia como agir. Ela não disse uma palavra. Virou-se muito lentamente na sua direcção e olhou-o directamente nos olhos. Esse movimento deixou-o mais infeliz do que julgaria possível. A rapariga já não era uma rapariga mas uma mulher, a sua face de criança ingenuamente feliz transformada na face cansada de alguém que se fartara de esperar pelo começo da sua vida.
O soldado chamou a sua jovem esposa pelo nome, num tom de escusado perdão. Ela não respondeu mas os seus lábios finos abriram-se num sorriso que ele nunca lhe havia conhecido. Era um sorriso simultaneamente triste mas de uma beleza tão grande que alegrava quem o pudesse ver. Fez sinal para que se sentassem e ele obedeceu sem hesitar. Só nesse instante se apercebeu de que ainda levava no corpo as vestes de serviço, ou melhor, as vestes de serviço cerimoniais. As restantes haviam ficado no campo de batalha para não voltarem a ser usadas.
O soldado sabia que era escusado perguntar à mulher que lhe sorria como havia passado. Ele percorrera terras desconhecidas, ela tinha esperado, ele combatera inimigos sem face nem nome, ela esperara, ele conhecera as maiores fraquezas e qualidades da natureza humana, ela esperara.
Encontravam-se naquilo que tinha sido e voltava a ser o seu escritório, o local onde passara mais horas naquela casa, com os seus sonhos de conquista e planos de domínio. Podia ver o mapa mundo esticado numa parede à sua frente. Agora sabia que o mundo era mais do que uma representação linear e que as noções de espaço e dimensão estavam também na sua mente.
- Quanto tempo foi? – A pergunta foi tão pequena e inocente que mal se fez ouvir.
O homem olhou a mulher à sua frente, em vestes que a cobriam completamente, não conseguindo, no entanto, esconder a beleza das suas formas femininas. Ela voltou a sorrir e ele reconheceu a criança ingénua que deixara à quatro anos atrás.
- Muito - Ela acenou com a cabeça que tinha compreendido.
- Posso retirar-me?
Ele olhou-a de alto a baixo, com alguma tristeza dissimulada mas reconheceu que não lho podia negar. Quando a porta se fechou atrás dela, o soldado colocou as mãos atrás das costas e admirou languidamente a vista familiar da janela. E para quê?

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